INTRODUÇÃO: O pênfigo foliáceo é uma doença cutânea bolhosa auto-imune
caracterizada pela presença de autoanticorpos antidesmogleína 1. A variante endêmica ocorre
em certas regiões do Brasil - onde é chamada fogo selvagem - e outros países das Américas e
África, enquanto a forma não-endêmica (tipo Cazenave) ocorre em todo o mundo. A
participação da genética no desenvolvimento do pênfigo foliáceo foi demonstrada através da
associação do alelo HLA-DRB1*04 do complexo HLA (antígeno leucocitário humano) de
classe II em diversas populações.
OBJETIVO: Descrever e comparar características epidemiológicas, clínicas e
terapêuticas, em dois grupos de pacientes: fogo selvagem no Brasil e pênfigo foliáceo
Cazenave, na Holanda. Em seguida, verificar a possível associação dos alelos HLA de classe
I e II nestes pacientes.
MÉTODOS: Na primeira fase do estudo, realizou-se um estudo retrospectivo com
revisão de prontuários médicos dos pacientes nos dois grupos. Posteriormente, uma entrevista
foi realizada para completar dados clínicos. Na segunda fase, procedeu-se à avaliação dos
alelos HLA, comparando-se 42 pacientes brasileiros com 478 controles, e 17 pacientes
holandeses com controles (7554, 6559 e 447, dependendo do alelo estudado). As amostras de
DNA foram obtidas pela técnica de salting-out. Os alelos HLA de classe I (locus A*, B*, C*),
e de classe II (locus DRB1* e DQB1*) foram determinados em baixa resolução por meio da
técnica de reação em cadeia da polimerase com sequências específicas de oligonucleotídeos
(PCR-SSO) empregando-se o kit Labtype-SSO (One Lambda, CA, USA).
RESULTADOS: A média da idade de início da doença nos pacientes brasileiros foi de
32,0 anos e, nos holandeses, de 56,1 anos. A diferença de idades foi estatisticamente
significante (p<0,0001). A ocupação rural foi predominante no Brasil (p<0,0001), enquanto
os holandeses mais frequentemente estavam aposentados no início da doença (p<0,0001).
Apenas brasileiros relataram antecedente familiar ou epidemiológico de pênfigo foliáceo
(p=0,0387). Os demais dados analisados não apresentaram diferença significante: gênero,
forma da doença (localizada/generalizada) e antecedentes pessoais e/ou familiares de outras
doenças auto-imunes. Os alelos HLA-DRB1*04, DRB1*16 e DQB1*05 associaram-se a
suscetibilidade ao fogo selvagem no Brasil (p<0,0001, p=0,0325 e p<0,0001,
respectivamente). Na amostra holandesa, apenas o HLA-DRB1*04 conferiu suscetibilidade
xi
ao pênfigo foliáceo (p= 0,0058). Quando o alelo HLA-DRB1*04 foi comparado entre as duas
populações, um maior risco foi atribuído à população brasileira em relação a holandesa (OR
6,46 e 3,17, respectivamente; p=0,0498). No Brasil, a proteção ao fogo selvagem foi
associada aos alelos HLA-DRB1*07 e DQB1*02 (p= 0,0448 e 0,0012, respectivamente).
CONCLUSÃO: No Brasil, o fogo selvagem afetou indivíduos jovens trabalhadores
rurais ativos, contrastando com o pênfigo foliáceo na Holanda, que acometeu mais
aposentados. Entre os brasileiros, os alelos HLA-DRB1*04, DRB1*16 e DQB1*05 foram
associados a suscetibilidade ao FS, enquanto os alelos DRB1*07 e DQB1*02 promoveram
proteção contra a doença. A associação do alelo HLA-DRB1*04 foi demonstrado pela
primeira vez na população holandesa, conferindo suscetibilidade ao pênfigo foliáceo. Não foi
encontrado alelo de proteção entre os holandeses. Não foi encontrada associação da doença
com os alelos HLA de classe I nas duas populações. O risco conferido pelo HLA-DRB1*04
foi maior na população brasileira.